O texto a seguir foi enviado via forms de contato do BoletIME e não necessariamente condiz com a opinião do corpo editorial.
Quando entrei no instituto, as esperanças que me acompanhavam foram rapidamente reprimidas. Em parte, a frustração acadêmica se apresentava como um enorme banquete de desespero, mas que, com o tempo, poderia ser superada. Se esse fosse o único problema que me atormenta, talvez minha jornada fosse menos angustiante.
Logo nos primeiros meses como bixo da licenciatura, ouvi a seguinte frase: “[fulano], é verdade que você só entrou na USP por conta da sua cor, né? Porque, se dependesse da sua inteligência…”
Após esse “comentário”, diversas risadas ecoaram pela vivência. A piada e a crueldade caminham lado a lado. Isso aconteceu bem em frente ao CAMat, em um espaço aberto; diga-se de passagem, o ex-presidente estava na porta. Mas acredito que suas maiores ações durante o mandato foram, respectivamente, pendurar uma foto da Taylor Swift – por quê não coloca uma foto da Margaret Thatcher? As duas devem ter os mesmos valores! - na parede da vivência e postar poesias contra o fascismo no BoletIME. Definitivamente, sua melhor ação será deixar a presidência no próximo ano, após atitudes vazias, carregadas de uma branquitude de esquerda que brinca de ser revolucionária, enquanto alunos se suicidam ou desistem de permanecer no IME-USP.
Particularmente, tentei deixar o comentário para trás. Mudei de curso, fiz novos amigos, e tentei, de fato, ser uma nova pessoa. Contudo, neste mês de outubro, senti mais do que nunca que estava “dando murro em ponta de faca”, quando não apenas passei por dois episódios de racismo, mas também vi um amigo muito especial sofrer racismo bem na minha frente.
Percebi que, constantemente, somos desumanizados. Não merecemos ser amados, ouvidos, ou sequer reconhecidos como dignos de sofrimento — “Como assim você não está acostumado a sofrer cinco episódios de racismo por dia? Recomponha-se!”. A branquitude do IME não está habituada a ver pessoas negras no mesmo espaço e, por isso, nossas vivências são resumidas a um “agradeça por estar aqui”. Vocês nos enxergam como coadjuvantes, suporte psicológico, para lidar com seus sofrimentos e angústias. Mas, quando tentamos expressar que não estamos bem, somos descartados.
Aquele que considerei meu melhor amigo se afastou logo após eu ter sofrido racismo e não estar bem o suficiente para apoiá-lo em suas dores. Ouvi do garoto por quem estava interessado: “Eu não fico com pessoas pretas!”. Vi um amigo próximo sofrer racismo bem diante de mim e, se não fosse por outro branco avisar a racista, ela jamais teria pedido desculpas. Tudo isso em outubro e dentro do lugar onde eu só pretendia – tentar – me formar.
A verdade é que pessoas brancas têm o “direito de errar”. Vocês erram constantemente porque são racistas, mas evitam demonstrar. E da mesma forma que possuem o direito de errar, também têm o direito ao perdão. Enquanto isso, buscam o primeiro defeito em uma pessoa negra para massacrá-la e desumanizá-la. Nós não podemos errar dentro da sala de aula ou fora, precisamos trabalhar e estudar, precisamos ser bons amigos, bons filhos, estarmos bem arrumados, cheirosos, impecáveis. Pois, sempre terá um branco esperando um preto errar, e assim, acabar com o pouco de esperança que te restava.
Escorre sangue preto pelas paredes do Instituto, mas vocês estão tão preocupados em questionar a existência das pessoas racistas, ao invés de prestar o mínimo de suporte aquem. Elas estão por todas as partes, se fingindo de amigos, de pessoas desconstruídas, de brancas cult e legais.
Eu esperava muito sair do instituto repleto de amigos e memórias, mas, agora, eu só espero sair formado, sem mais um trauma para discorrer na terapia. Dia 20 de novembro, aguardem os brancos comemorarem a Consciência Negra, ou postarem algo nos stories do Instagram, após apoiarem racistas dentro do IME-USP.