Entrevista com estudante da USP sobre os atos de 04 e 18 de janeiro, a repressão policial e os desafios para a mobilização

Por CAMat
26 de janeiro de 2024

O editorial do BoletIME chamou Diego Prado*, estudante da USP, para fazer uma entrevista exclusiva para esta edição especial sobre mobilidade urbana. Essencialmente, a entrevista buscou abordar a participação do estudante nos dois atos - o primeiro no dia 4 e outro no dia 18 -, a sua leitura política tanto dos atos em si quanto da organização e preparação dos estudantes em torno da pauta do Passe Livre.

*trazemos aqui um nome fictício para não expor o entrevistado

BoletIME: O que motivou a ir nos atos do dia 4 e do dia 18?

O que me levou a ir são as pautas do aumento da tarifa que a gente já conhece. Eu pelo menos cresci vendo o junho de 2013 e, querendo ou não, é algo que me marcou bastante. E vir à tona essa pauta de novo me faz ter um pouco mais de memórias de o quanto que o transporte público interfere na vida da juventude, dos estudantes, da classe trabalhadora. Acho que a questão do transporte em si é muito sensível ao bolso, né? Você só de pensar que pode pegar mais de um ônibus e que o sistema ainda não funciona como a gente gostaria, mesmo em São Paulo, você ainda tem dificuldades muito grandes com o trânsito, e ainda assim você tem um transporte que é privatizado, e que é muito pouco claro nas suas informações assim, e que constantemente só aumenta tarifa, sem ter de fato maiores vantagens do que aquelas que a gente tradicionalmente conhece. Como a integração, mas é sempre uma integração regional. Dentro do São Paulo mas não avançam para uma integração de transporte para toda região metropolitana. Acho que esses problemas históricos sempre param para a gente refletir um pouco, né? Em que situação a gente tá? De piora dos serviços e de aumento dos custos. Então eu tava interessado muito de ir nos atos porque no primeiro dia 4, as entidades estavam chamando, e eu tinha um papel de organizar, de estar lá presente e buscar informações, ouvir melhor os argumentos que as forças tinham a dar sobre o porquê que a gente não deve ter aumento na tarifa e por quê que a gente nem deve ter tarifa em São Paulo; e no dia 18, também, a mesma coisa. Eu queria ouvir argumentos e estar mais conversando com as pessoas, conversando a respeito desse assunto, porque todo mundo se queixa mas a gente pouco estuda de fato. E acho que eu queria ter acesso a isso.

BoletIME: Ok. Você mencionou agora que o sistema de transporte público de São Paulo ele é “muito pouco claro nas informações”. O que você quer dizer com isso?

Diego Prado: Ah, eu acho que a gente vai entrar em um assunto mais curioso. Eu acho que… Eu tenho impressão que, no Brasil inteiro, toda rede de transportes é uma grande máfia (risadas). Porque eu cresci no Rio de Janeiro, e no Rio de Janeiro tenho certeza que… é… as de ônibus, os trajetos que elas fazem… Tudo bem, tem coisas que são informadas, o que acontece de fato. Mas não o porquê é assim, né? Então a política de bastidores que definem a rota dos trajetos; qual empresa que assume qual região; como que funciona a dinâmica da engenharia do tráfego, do transporte mesmo. Eu cresci no Rio já com uma desconfiança, porque eu sempre soube, que sempre foi me dito que quem define tudo isso é um grande cartel, assim, de empresas de ônibus que assaltaram o Estado, basicamente. E elas têm o aval de basicamente controlar o estado do Rio de Janeiro. Então a minha desconfiança para São Paulo é a mesma. Eu realmente acho que existe um esquema de cartel, ou então de negociatas nos bastidores, assim, que definem muito bem qual empresa vai fazer cada coisa, e algumas que são intocáveis; e outras que perdem com mais facilidade dependendo do grupo político que tá na prefeitura e no estado. Então eu acho que toda essa negociação da burguesia pelo lucro dos transportes - que é baita de uma mamata -, é… A gente não tem muito acesso, né? Claramente é muito antidemocrático a questão dos transportes em São Paulo. E tudo isso merece fazer levantar todo tipo de suspeita a respeito de corrupção nos sistemas de transporte, assim.

BoletIME: Ok, acho justo a colocação, assim. A segunda que a gente ia perguntar é que, a gente sabe que o ato do dia 4 foi puxado pela UEE em conjunto com as DCEs e o ato do dia 18 foi puxado pelo Movimento Passe Livre (MPL), então, em termos de organização do ato e adesão de pessoas, tem alguma diferença entre esses dois atos que substancialmente foram organizados por entidades diferentes? Tem um perfil majoritário entre os dois?

Diego Prado: Tem, tem sim. É… No caso me parece que o ato do dia 4 foi maior, assim, em termos de pessoas. Acho que ele teve mais de, eu diria, 600 pessoas, assim. Eu não fui no ato do dia 10, mas que já teve uma queda. Uma queda singela, mas teve. E no ato do dia 18, que eu tava efetivamente presente, me pareceu bem menor, tanto que logo no início tava com dúvida se a gente ia mesmo encarar o ato, se a gente ia mesmo começar. Porque tinha grupos bem pequenos, e não pareciam ser suficientes para começar, assim. Então deu para ver que os atos puxados pelas entidades estudantis, e a UEE e os DCEs eles foram um pouco mais massificados e, eu diria, até que um pouco mais capilarizados. Eu acho que os grupos que estavam lá eram um pouquinho mais distintos porque, como os DCEs são de várias universidades - USP, Unifesp, Unesp, etc… Ah, a Unesp não tem DCE, perdão… a Unifesp, e a UFABC -, eu acho que tem mais capilaridade. E eu vi pessoas que, em geral, me pareciam ser de diferentes regiões. Agora, no ato do dia 18, eu acho que era um grupo mais seleto de pessoas. Acho que não me parecia tão diversificado quanto antes, até porque o número era bem menor. Então tem essa diferença. E eu acho que os atos do MPL, em geral, foram bem menores. Não sei, mas me parece que o MPL não teve a capilaridade que teve as entidades organizadas de chamar mais gente, assim. Então eu acho que teve essa diferença um pouco. Eles não tão conseguindo sozinhos chamar tanta gente como eles gostariam por si só. Mas o público no geral tem o mesmo perfil: movimento estudantil organizado. Me parece que quem tava lá, além das organizações tradicionalmente uniformizados, né - o PCB-RR, algumas juventudes em minoria, a UP, e alguns setores da UJS -. Não me pareciam ter muita gente não. Além da galera do MPL, não me parecia ter gente fora disso. Então era bem esse ato típico conhecido já, e a maioria das pessoas eram do movimento estudantil, além das figuras do MPL - que não são do movimento estudantil, são um organismo à parte. Mas sempre associados.

BoletIME: a gente gostaria de saber da sua leitura sobre a repressão policial que teve. Porque foi algo bastante divulgado, né? Então queríamos saber da sua leitura em relação à isso, tanto da parte policial e também da parte dos estudantes.

Diego Prado: Acho que tem muitas coisas para comentar a respeito disso, porque eu fiquei bastante pensativo. Porque eu passei por uma revista policial, quando cheguei no ato do dia 18. E assim, eu já fui em muitos atos na vida. Mas eu nunca vi um como esse. Claramente tinha uma organização prévia, uma organização militar preparada para gerar cenas como aquelas que a gente viu. Então já havia uma prédisposição para isso. Por que? Porque eles estavam revistando pessoas antes mesmo de chegarem no ato. Eles não estavam chamando pessoas no ato para revistar. Eles estavam revistando pessoas antes de chegar no ato. Então eles estavam dentro das estações de metrô, ou então perto dos pontos de ônibus, ou ao redor do lugar onde tava concentrado o ato. Então qualquer pessoa que se dirigia ao local do ato, eles faziam uma triagem, e estavam revistando. E eu acho interessante isso porque eu vim do metrô, e eu tava do lado de várias pessoas. Tipo, tinha uma senhora do meu lado, um senhor, tinham várias pessoas. O metrô da República naquele horário tava um pouco movimentado. Mas eles sabiam quem chamar. Me parecia que eles já tinham uma leitura típica de um “perfil de manifestante”, então eles me separaram e separaram o garoto que viralizou, digamos, nas redes esse dia - o Marcos Dantas*. Eu estava do lado dele, do ladinho dele. Inclusive, algumas gravações dá para ver minha roupa. Não dá para ver meu rosto, mas algumas gravações dá para perceber ali que eu tô do lado dele. Porque foram três pessoas separadas nessa triagem: ele - que foi o primeiro -, um outro moço que estava do lado dele e parecia que acompanhava ele, e eu. Então eu não fui revistado de primeira. Eu fiquei esperando o Marcos Dantas ser revistado antes de começar. E nisso, abriram a mochila dele, perguntaram antes se tinha algum material cortante, alguma arma branca. Ele falou que não, e logo quando abriram a mochila dele, tinham tipo uns sinalizadores. Ele falou tipo “olha, isso aqui não é rojão”, e os policiais estavam muito agressivos, assim, muito brutos. Não era a PM comum, era tropa de choque. E muito agressivo perguntando “o que que é isso daqui?”, não sei do que… papapá, fazendo pressão nele. Curiosamente, na frente da triagem já tinha jornalistas esperando acontecer alguma coisa. Então não veio jornalistas de nenhum lugar, eles já estavam ali no metrô, parece que esperando a PM criarem um fato político para eles mesmos já noticiarem, porque era muito claro, assim, que a PM queria criar um fato político ali. E aí acharam os sinalizadores na mochila do Marcos, e foram abrindo mais, e lá no fundo encontraram um estilete, né. E o policial que viu o estilete gritou assim com o cara e falou “Oh, você acha que não tô vendo? Por que você não me informou que tinha um estilete aqui?” e tal, que “você vai para DP”. Aí quando começou falar isso, ele começou desesperar e começou gritar, assim, com toda razão. Acho que chama a minha atenção… O que que dá para definir como arma branca. Porque é muito capaz de, tipo, você simplesmente ter pego a sua mochila, ido para algum lugar e não se lembrar dos materiais que você guarda na sua mochila, né. Pode ter uma tesourinha, pode ter um cortador de unha, pode ter… Não sei, alguma coisa. O que que a polícia considerar arma branca propriamente dito vai da cabeça dele, assim. É muito provável que alguém tivesse estilete para cortar uma faixa, cortar papel, papelão, sei lá, qualquer coisa. Mas eles consideraram arma branca para ferir policiais mesmo. E como o Marcos começou a reagir, ele foi imobilizado, e enfim. Aí veio aquelas cenas que a gente viu nas redes sociais. E eu tava do lado dele, esperando para ser revistado. Foi nessa hora que bateu um certo desespero, e eu comecei a gravar. Mesmo tendo um PM na minha frente, comecei gravar ele, e aí o PM que disse que ia me revistar começou a me empurrar para o canto, falou “oh, você é advogado dele? Tá filmando por quê? Abaixa isso daí, irmão” e não sei o que, e foi me empurrando, botando peito na frente da câmera, e não deixando que eu gravasse, tá ligado? E me empurrando, e me chamando de “tiozão”, e disse que ia me revistar, que queria ver… Aí falou “desliga essa câmera aí” e não sei o que. E aí me levou mais para longe do Marcos, e foi aí que perdi o contato visual com ele, assim. E aí depois começou a me revistar, né. Eu não tinha nada que eu me lembrasse de arma cortante, de material cortante na minha bolsa. Mas me chamou muita atenção, né - e eles abriram minha bolsa, revistaram tudo -…​ Mas me chamou muita atenção que eles revistaram tipo, os meus cadernos. Os meus blocos de anotação. Então eles abriram meus blocos de anotação na minha frente, e começaram a ler [risos] as coisas que eu escrevo no meu bloco de anotação. E não era tipo folhear, era ler mesmo: parar na página e ficar lendo. E eu tenho muita coisa escrita no meu bloco de anotação. E eu fiquei um pouco incomodado com isso. Acho que foi bem curioso. E ele foi, ficou um bom tempo parado olhando meu bloco de anotações, coisas que eu escrevo de tarefas a fazer, de pensamentos que eu tenho, ideias, enfim. Coisas das mais diferentes ordens. E depois disso, eu tinha dois cadernos. Eles inclusive pegaram uns livretinhos que eu tinha de Física e olharam, perguntaram o que que era aquilo, falei que era da minha graduação, e perguntou que curso que faço, enfim. Eles leram meus cadernos, revistaram tudo. Eu não tinha nada, mas ainda assim tiraram fotos do meu rosto, fotos do meu RG, e depois me liberaram,meio que a contragosto. Porque claramente estavam ali para achar um fato político. Então, primeiro, retomando assunto além da história que acabei de contar, acho que o que chama atenção são algumas coisas: primeiro, PM aprendeu, ou fez um balanço interno, digamos… Fizeram um balanço interno dentro da organização do que foi junho de 2013. Porque, querendo ou não, a PM hoje reconhece o MPL, no sentido de que sabem que é o MPL que tá puxando aquele ato, e que sabe que foi o mesmo MPL do junho de 2013. Então essa conexão da mesma organização para chamar atos pelo mesmo tema gera na PM um rebuliço que foi visto ali, implicou necessariamente em um outro modo de organizar aquele ato. No ato do dia 4, chamado pelas entidades estudantis, não havia esse esquema de revista, e não estava presente o batalhão de choque. Estava presente apenas o PM comum que a gente conhece aqui na cidade de São Paulo… Que fez um cordão de isolamento, que tava mais, digamos, dialogável. Nesse dia 18, o esquema era outro, né. E é muito visível isso, para mim. E aí me parece aqui que fez uma dupla alteração em relação aos atos. Primeiro que eles passaram a fazer uma revista antes, prévia, que nem aconteceu, nos locais mais isolados, então antes mesmo de você chegar eles tomaram essa medida, digamos entre aspas, “preventiva”, para criar fatos políticos distantes do bloco, distante das massas, com alguma, digamos, razoabilidade para gravar, para poder mostrar aqui “olha, a PM tava fazendo seu trabalho, achou alguma coisa”, do que o que eles fizeram… Historicamente fazem, né, digamos: de já estar o bloco formado, andando, e aí do nada eles lançam uma granada de gás lacrimogêneo, um spray de pimenta, uma bomba, alguma coisa de efeito moral, e começa a repressão. Porque aí, nesse caso, eles perderiam o fato político, eles perderiam a razão. Então acho que isso não tá acontecendo, e me parece que a orientação da polícia hoje é muito mais de deixar acontecer, ou seja, deixar com que o bloco se reúna, ande, façam as suas cantorias, manifestações, atrapalham o trânsito. Porque me parece que a leitura da PM é que assim os estudantes se queimam sozinhos, porque eles são poucos, do que efetivamente comprar uma briga ali na hora e jogar um spray, um gás lacrimogêneo nesse grupo de estudantes para atiçar, criar um fato político de uma violência policial unilateral, e atiçar outros setores que estavam nem ligando para o ato, para prestar atenção. Então me parece que foi uma mudança tática da PM de primeiro isolar os manifestantes antes, e garantir que não há materiais que possam fazer alguma coisa. Fazer esse filtro, e o que for pego, fazer um fato político de tipo “Oh, já tavam vindo aqui, planejando alguma coisa” do que o que tradicionalmente a polícia faz que é garantir que o bloco se forme naturalmente, e depois reprimir quando acontece alguma coisa. Então essa mudança tática eu acho que também é uma coisa que me chamou atenção nesse dia 18. O segundo fator é claramente, digamos, eleitoral político no geral, no sentido de que o Tarcísio, no geral, tem mudado a postura em relação aos atos, né. Eu acho que o Tarcísio está querendo acenar para a burguesia paulistana, no sentido de que se querendo se mostrar alguém que não permite livres manifestações a todo tempo, como quase que um poder moderador do grau de manifestação que os setores da sociedade podem fazer, assim. Também pareceu muito claro que ele está moderando, e o grau de intervenção da Polícia Militar nos atos tem aumentado. Então isso claramente parte do Tarcísio, então acho que o governo de Tarcísio tá buscando de fato uma clara intimidação dos setores da juventude, e que tradicionalmente protestam para coibir, ou desfazer a tentativa de organizar manifestações em sequência. E aí, para finalizar essa minha fala gigante, uma coisa que me veio à mente é que justamente a PM que me revistou no final me disse que “olha, eu não quero ver você lá em cima não, tá? Não vai para o ato, não. Você vai fazer outra coisa. Não sobe lá que não quero te ver lá, tiozão”. E eu acho que essa tentativa de desmoralizar e de coibir, e de intimidar… Me parece que está escalando no governo de Tarcísio.

BoletIME: Foi uma fala, acho que, muito intrigante. Acho que é a melhor palavra que eu tenho. Nesse momento eu não vou opinar, porque não é meu papel. Mas acho bem intrigante esse relato. Não imaginei que foi assim, porque não fui no ato do dia 18. Sabendo de tudo isso que você me contou, da diferença que você percebeu nos atos que você foi, e da forma que a repressão ocorreu, você tem alguma coisa a dizer sobre a perspectiva daqui em diante desse movimento como um todo, não só isoladamente falando do MPL e dos movimentos estudantis, mas da coisa como um todo?

Diego Prado: Repressões policiais em atos estudantis sempre aconteceram, né? Não é como se na própria pandemia mesmo, ou então nos atos de 2019 lá no “tsunami da educação”, como chamaram, não tivessem acontecido repressões policiais. Aconteceram, né? Teve gás lacrimogêneo, teve eventuais confrontos e algumas prisões. Isso regularmente acontece porque a PM é o braço armado do Estado burguês e ela serve para reprimir a classe trabalhadora nas suas manifestações, isso tá dado. O que me chama atenção do último dia é uma preparação que não é técnica, e não é militar. É uma preparação política. Então o fato deles estarem tirando foto, tirando reconhecimento… E uma coisa que eu não disse e que vale adicionar, porque quando a gente chegou lá no bloco, montou o bloco, eles não estavam querendo que a gente saísse da República, da Praça da República. Eles queriam manter a gente ali, e eles estavam em todos os quatro cantos, assim. Tinha um cordão na esquerda, um batalhão de choque na frente. A direita não tinha como sair porque era uma parede, e atrás tava muito PM, assim. Então eles cercaram a gente, não queriam que a gente saísse e falaram para a gente que não iam deixar o bloco sair. Então esse modelo de reconhecimento político, né? Porque eles fizeram uma leitura política daquilo, daquele momento. E de repressão, a partir daí, isso é preocupante, isso é novo. Porque até então, nos outros atos que eu já fui, que tinha PM presente, eu nunca senti que a PM agiu a partir de um pressuposto político, por incrível que pareça, assim. Me pareceu que as organizações conseguiam negociar com a PM, organizar um trajeto, e estavam mais ou menos… Claro, sempre tensionado, mas tava ali. O que me chama atenção no último dia 18 é que houve uma preparação política, de uma leitura política própria de uma organização. E isso me deixa bastante preocupado, porque eu acho que pode sinalizar um caminho sem volta, né? Se, de ato em ato, a PM vai fazendo leitura política de como ela deve intervir, de como ela faz para não ferir a sua imagem e ferir a imagem de outro… Onde que isso vai parar, né? Então é preciso falar mesmo do movimento fascista que o Tarcísio tem organizado na polícia, na estrutura das forças armadas em São Paulo. Me parece que o movimento fascista a partir de Tarcísio tem avançado na sua compreensão política das coisas. E aí a intervenção militar agora está cada vez mais explicitamente subordinada à avaliação política de cada ato, e isso é uma preocupação gigantesca. Eu acho que as forças populares, os partidos, as organizações políticas são convidados a refletir sobre isso. Eu acho que vai necessitar de uma organização e de uma preparação para ato cada vez maior. E claro, cada ato vai exigir um nível de diversificação cada vez maior que vai para além dos setores que a gente já conhece no movimento estudantil. Então eu acho que é como se a conjuntura tivesse pedindo que a gente não fosse tão previsível, e é isso que tá claro para mim. Acho que o último ato muda um pouco a compreensão que a gente tem que ter das coisas daqui para frente.

BoletIME: Isso realmente adiciona um teor a mais nesse sentido da repressão policial. Ainda mais pensando que PM na verdade, é “polícia”, mas a PM é um ramo do Exército, né? [Diego Prado: É, exato]. Ele não é uma “polícia padrão”. E sobre a pauta da mobilidade, do passe livre, como você enxerga isso daqui para frente, dado tudo isso?

Diego Prado: No último ato do dia 18, o próprio MPL falou que tinha outro ato sendo chamado para semana seguinte, ou seja, para essa semana. Eu ainda tô tentando me informar do que vai acontecer, mas não sei se eu deveria falar isso, mas talvez, talvez, eu tenho impressão que o MPL quer fazer como fez em 2013 mesmo, né? Que chamava-se vários atos em sequência, e aí fazia queima de catraca, enfim, umas coisas assim, faziam uns atos para chamar atenção ao assunto. E os atos, como eram em sequência, qualquer coisa que acontecesse em um dos atos reverberava nos próximos. Então, pode ser que o fato de ter havido um confronto com a polícia implique em ter mais movimentação para os atos. Porque em 2013 de fato teve um ato que a polícia reprimiu, e era um grupo pequeno de manifestantes. E aí essa desproporção, da resposta da polícia para o ato em si, chamou muita atenção para que no próximo ato estivesse mais massificado. Então me parece que talvez o MPL queira repetir essa fórmula. Mas agora a PM não tá tão inocente assim, também. Então não sei, mas acho que o que penso da pauta em si é que é uma pauta importante demais, mas que ela não pode ser tratada como algo isolada, certo? Porque o mesmo Tarcísio que aumenta a passagem para cinco reais mínimo, é o mesmo que privatizou a Sabesp, e que tá querendo privatizar uma série de empresas estratégicas do país, coisa que em outros lugares do mundo isso não é mais nem sequer pensado, e já tá num momento de se reverter, assim. Então as empresas estratégicas de água, saneamento básico, tão aí para ser dados a preço de banana, e sendo dados a grupos da burguesia estrangeira, inclusive, internacional. E a gente tá perdendo soberania com isso, né? A gente tá perdendo, enfim, poder de decisão sobre a nossa própria água. E a gente sabe que tem um esquema de lucro em relação à água que faz com que as grandes cidades sejam melhores e mais lucrativas, e as cidades interioranas e as periferias sejam menos lucrativas para essas empresas de água. E elas tão sendo privatizadas, assim. Então, assim, eu tenho uma preocupação de que uma pauta atrapalha a outra. E que talvez a gente não consiga se organizar para tudo isso. Então por isso que muito do que foi falado, e a gente gritava na palavra de ordem naquele dia, nos dias de ato, eram “pelo passe livre” né? Então contra a tarifa, e que acho uma pauta justa, a gente tem que sim fazer esse debate na cidade; e também contra as privatizações. Inclusive, a própria questão do passe-livre é algo que chama atenção, porque é uma demanda que tenha, tipo, sendo feita há décadas. 2013 já faz dez anos. E acho que antes disso já tinha algum debate sobre. E só agora vem uma tímida resposta das prefeituras, do estado, em relação a isso. E eu acho que essa tímida resposta, além de ser desorganizada, é um paliativo, é um fantoche, uma resposta quase que uma política de pão-e-circo para que a gente não reivindique, de fato a tarifa zero, o passe-livre universal. E, mais do que isso, e aí eu queria entrar em terrenos que não conheço, mas que acho que são válidos. O próprio passe-livre não é só pelo passe livre. Tipo assim, se a gente quer falar de direito à Cidade, a gente precisa reformular muito mais do que apenas passe livre. Claro que o passe livre é um alívio no bolso do trabalhador, no bolso do estudante. Mas eu acho que para pensar, de fato, na mobilidade urbana, de uma maneira que a classe trabalhadora quer, e pensar o direito à Cidade que a gente quer, passe livre é muito insuficiente. Então a gente tem que pensar em um reordenamento das cidades. O tipo de projeto que eu acho que dá conta da demanda que a gente leva para rua nesses dias não é só o passe livre, mas acho que uma reorganização da cidade, acho que temos que pensar na mobilidade urbana como um todo. Não só aliviar a tarifa e deixar o controle ainda para que quem faça as malhas tanto ferroviárias quanto rodoviárias seja ainda o Capital. Então acho que a gente tem que se preparar para pautar isso. E acho que a gente não tá preparado. Mas enfim, acho que no geral é isso que eu penso.

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