A atual gestão do Centro Acadêmico Armando de Salles Oliveira (CAASO) publicou (23/12) uma nota crítica à mudança feita no Programa de Apoio à Permanência e Formação Estudantil (PAPFE) e à postura do DCE Livre da USP frente ao movimento estudantil neste processo. Trazemos aqui a nota na íntegra, pois ainda que o CAASO esteja em São Carlos, os pontos evidenciados são pertinentes qualquer que seja o campi da USP. Boa leitura!
A reformulação do programa de auxílios socioeconômicos da USP foi proposta pela nova Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP) da USP no final do ano letivo. A pró-reitoria foi criada na nova gestão do reitor Carlotti para apresentar uma face mais preocupada com as questões “sociais”, e já demonstrou diversas vezes seu caráter descaso perante as injustiças da USP.
A proposta apresentada foi terrível, não garantindo um aumento real necessário às bolsas, que há muito estão aquém do mínimo para garantir condições dignas para os estudantes contemplados, e ainda criando uma série de impeditivos burocráticos, demandando contrapartidas e requisitos de desempenho e colocando um limite restrito ao tempo ideal de conclusão do primeiro curso escolhido pelo estudante, independente de eventuais transferências.
Dentre os problemas da proposta, podemos dar destaque ao baixo aumento do valor do auxílio (apenas para 800 reais, enquanto a demanda do Movimento Estudantil (ME) era de no mínimo mil), a impossibilidade de acumular mais de um auxílio, requisitos de desempenho acadêmico mínimo e relatório de vida pessoal e acadêmica, limite de tempo igual ao tempo ideal de graduação, na prática jubilando antecipadamente os estudantes que precisam de auxílio, bem como não contemplando as transferências (impedindo os estudantes contemplados de trocar de curso). Os estudantes rapidamente se indignaram.
A PRIP começou a chamar, então, audiências públicas de caráter meramente consultivo, para manter um “verniz democrático” para a aprovação. Porém, no dia da primeira audiência pública, na perspectiva da mobilização estudantil, a PRIP vetou a participação presencial no espaço, transformando apenas em uma audiência online. Mesmo assim, mais de 300 estudantes participaram do evento online e apresentaram unanimemente uma posição contrária à nova proposta no chat e pelos meios que conseguiram se expressar, apesar do controle burocrático da reitoria sobre o espaço.
Em continuidade, as entidades de base, em Conselho de Centros Acadêmicos (CCA), mantiveram o repúdio à proposta, mesmo com pequenos recuos da PRIP. A tática adotada pelo conjunto das entidades de diversos campi foi a de manter a luta pelo “auxílio de mil reais, sem contrapartida ou limite de tempo”, e construir uma contraproposta dos estudantes, a ser debatida de forma ampla, democrática e com paridade com o conjunto dos estudantes, que são os maiores interessados no auxílio.

Conjunto Residencial da USP (CRUSP) campus Butantã.
Fonte: Banco de imagens USP
Porém, o que vimos em seguida foi a diminuição das ações do movimento, o recrudescimento das entidades estudantis, a diminuição das discussões com as bases. A participação dos estudantes no ME, que estava em crescente, estagnou e rapidamente caiu, em uma onda de desmobilização. Ao mesmo tempo, no interior da gestão do DCE, as organizações que compõe a gestão mudaram de tom. Os pequenos recuos da reitoria passaram a ser vistos como “importante vitória” das “mobilizações”, mesmo mantendo a estrutura excludente e elitista, mantendo a limitação de tempo (apenas um pouco maior) e a exigência de relatórios.
Enquanto uma das organizações à frente do DCE Livre da USP, a UJC acolheu as propostas que surgiam nos locais em que estamos mais presentes, especialmente das moradias estudantis. No entanto, os coletivos Juntos! e Correnteza, com os quais dividimos a gestão, não trabalharam com os estudantes. Em diálogo com a PRIP, fizeram negociações para que alterações mínimas fossem feitas no documento que, obviamente, não contemplam os estudantes de graduação da USP.
Sem participar dos espaços estudantis, os representantes de J! e Correnteza participaram de outro espaço online da PRIP, que convidou um número reduzidíssimo de entidades (nenhum CA ou DA) e ocorreu no mesmo horário do jogo do Brasil, retornando no mesmo dia com “repasses” de acordos com a reitoria apresentando “grandes avanços”, que, na realidade, eram a manutenção do caráter elitista da proposta com retirada de pequenos retrocessos.
Na semana da aprovação não houve qualquer agitação por parte das outras organizações. A UJC buscou, nesse contexto, chamar todas as entidades mais próxima para um ato no dia do Conselho de Inclusão e Pertencimento, bem como tentar levantar a articulação nos grupos de atléticas, baterias, coletivos LGBT e a Coligação de Coletivos Negros da USP, entre outras organizações. Porém, fomos recebidos com frieza de um movimento já desmobilizado. Ainda, logo que o Coletivo Juntos! tomou conhecimento desse contato, veio cobrar nosso posicionamento na gestão, afirmando que não teriam acordo com nossa linha política de pressionar pela contraproposta e impedir a votação da original. Para eles, “o projeto não é o ideal, mas é pior que não passe do que passe.”
Desmobilizar o ato e defender a proposta “melhor do que nada” da PRIP, enquanto se boicotava a contraproposta dos estudantes, demonstrou que tínhamos problemas maiores que uma mera divergência pontual. A questão tornou-se de princípios: ou defendemos um horizonte democrático e avançado para a luta dos estudantes, ou nos contentamos com o “menos pior”.
Quando chegamos ao ato, ficamos surpresos com a informação de que dois representantes do DCE, por parte de Juntos e Correnteza, já haviam subido para a Reunião a convite da PRIP, às escondidas, sem avisar os estudantes ou a própria gestão. Ficamos de fora da reunião, informados com poucos repasses que mandavam no grupo interno da gestão. Mais do que isso, os estudantes de São Carlos, que através do CAASO alugaram uma van e vieram pra São Paulo buscando serem ouvidos pela PRIP, que nunca organizou qualquer debate com os interiores, ficaram de fora e sem qualquer informação sobre o que estava ocorrendo com seus auxílios.
Para nós, debater a portas fechadas com a Reitoria, deixando os estudantes alienados da política, e cantar isso como vitória, é inaceitável. A postura das organizações que compõem conosco o DCE passou longe de todos os acordos que construímos ao formar a chapa, e da forma e da organização do Movimento Estudantil que queremos construir.
Após a reunião, os membros da gestão das duas forças fizeram um repasse no grupo de CAs citando apenas os pequenos recuos da PRIP, mas nenhum dos absurdos aprovados, dando a notícia com ar de vitória. Após isso, ainda ficou evidente essa postura de outras organizações quando a página do DCE em Ribeirão Preto, controlada majoritariamente pelo coletivo Juntos, sem passar pela gestão, passou a comemorar a aprovação como "grande vitória" dos estudantes, respondendo nesses termos comentários de diversos estudantes justamente indignados com a postura de comemorar a derrota como se fosse vitória.

Logo do Centro Acadêmico Armando de Salles Oliveira (CAASO), o centro acadêmico do campus USP São Carlos.
Não é novidade essa postura política recuada, de mobilizar apenas na medida em que se conquista pequenos avanços, de “ir com a maré” dos estudantes, avançando (a pequenos passos) quando há algum ânimo espontâneo, mas recuando logo que esse ânimo passa. Não é nova a postura de abandonar a autonomia estudantil e um projeto de luta a longo prazo logo que as tarefas práticas e concretas da organização se colocam com clareza, logo que mostra-se inconciliável a postura dos estudantes com a postura da reitoria burguesa.
Vimos essa mesma postura em vários momentos do ano. Durante a luta pela reforma democrática do CRUSP, quando ignoraram a perspectiva de construir uma Comissão Paritária pela Reforma Democrática, proposta construída pelos próprios moradores do CRUSP. E quando o coletivo Juntos! passou a defender “treinamento humanitário” para a segurança patrimonial na USP, entendendo que seria “uma solução imediata” necessária e que não haveria sentido em apostar na auto organização dos estudantes para a segurança, o que os fez inclusive tentar negar a publicação de um documento com a palavra de ordem “fora segurança privada”, apesar de esta ter sido aprovada por unanimidade em Assembleia.
Mesmo assim, foi surpreendente quando, mesmo após a aprovação da proposta reacionária, os militantes do Juntos! continuaram se recusando a fazer qualquer crítica à ela, apresentando apenas as "vitórias" do movimento que, na realidade, foram apenas pequenos recuos com verniz democrático. É inaceitável a postura de cantar vitória em um momento de derrota.
Não queremos eximir nossa responsabilidade ou fazer uma crítica vazia com essa nota. Era nossa tarefa tomar a frente da organização e da agitação contra essa proposta reacionária para arrastar o movimento pelas bases, que tinham vontade de reagir, mas não tinham direção ou unidade. É incontestável que falhamos nisso, e no próximo período faremos um balanço profundo das causas e consequências desses erros e de como nos organizar para que isso não volte a ocorrer no futuro.
Porém, é impossível organizar um movimento amplo, massificado e combativo através da postura dos mínimos acordos, e do meio-termo na defesa de nossos direitos. Fica cada vez mais evidente a falta de um projeto de Universidade a longo prazo que seja um horizonte da luta dos estudantes e dê a direção desse avanço que, mesmo variando na tática, jamais abandone a perspectiva estratégica.
Esse projeto de Universidade só pode ser construído por um movimento estudantil autônomo e combativo, e jamais por lideranças que abandonem a autonomia dos estudantes, escondam os próprios erros, fujam das críticas e trabalhem em conjunto com a reitoria burguesa, que implementa um projeto racista e de desmonte, apenas por pequenas vitórias.
Não vamos nos reter por nenhum acordo de cúpula, não vamos abandonar a autonomia de organização dos estudantes e não vamos realizar negociações a portas fechadas. Também não vamos manter os debates do movimento estudantil enclausurados e escondidos. Todos sabem que há incompatibilidades e desacordos entre as organizações políticas. É desonesto e enfraquece o movimento esconder esses desacordos e "deixá-los para depois", construindo um teatro que resulta em assembleias despolitizadas e repetitivas, sem que os estudantes reconheçam o valor de defender suas posições e construir um movimento consciente.
A aprovação do PAPFE se consolida em um momento de fortes ataques aos nossos direitos, ao mesmo tempo em que a maioria esmagadora do Movimento Estudantil organizado, diante das tamanhas ameaças, assume uma postura defensiva, desmobilizadora e sem perspectiva de grandes avanços, lutando sempre para garantir o menos pior, e se conformando em conseguir “vitórias” cada vez mais recuadas.
Para muitos estudantes, essa “vitória” significa o fim de sua trajetória universitária. A USP, universidade mais rica do país, tem condições financeiras não apenas para oferecer auxílios de maior valor para os estudantes, garantir mais bolsas e, ainda mais importante, construir políticas de permanência sólidas - como ampliação e desterceirização dos bandejões, o passe livre, o aumento na oferta de vagas nas moradias e a reforma de suas estruturas.
Porém, para alcançarmos essas conquistas, não será suficiente chegar a meros acordos com a reitoria. Esta representa a política da burguesia, é apontada diretamente pelo PSDB há 30 anos e será certamente submissa a Tarcísio, como foi a seus antecessores Dória e a Garcia. Não será suficiente combater os retrocessos: precisamos construir a ofensiva sob nossas bandeiras, pelo nosso projeto próprio de universidade, pelo nosso horizonte máximo e inegociável de colocar a maior Universidade do país à serviço da classe trabalhadora.
Por isso, devemos nos manter organizados, mobilizados, e atentos. Não vamos recuar mais um centímetro. Mesmo com a aprovação do novo PAPFE, precisamos manter as mobilizações e as denúncias sobre a política de permanência excludente e elitista da USP, contrapondo-a com uma perspectiva de Universidade que interessa a estudantes e trabalhadores, que contemple seu ingresso e permanência e dirija a produção científica para a construção da soberania popular e para suprir as demandas dos trabalhadores, e não dos grandes monopólios. Precisamos nos empenhar, dia a dia, na construção da Universidade Popular, através de um movimento estudantil amplo, honesto, ligado às bases e responsável perante elas, entrando em ampla unidade sempre que essa unidade contemple os interesses do movimento, seu avanço político e organizativo, mas não sustentando uma aparência de unidade falsa enquanto o movimento recua. Só essa postura permitirá construirmos a USP que queremos e precisamos.
Nota originalmente publicada no perfil do instagram do CAASO (@_caaso). O centro acadêmico atualmente está sob direção da gestão CAASO Popular, composta por independentes, membres do Movimento por uma Universidade Popular (MUP) e da União da Juventude Comunista (UJC).

_Imagem de divulgação da nota no instagram @_caaso. _